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terça-feira, 8 de junho de 2010

Bem, Dublim está aos poucos se tornando próxima de minha rotina. Aqui e acolá, como é previsível, surgem uns sobressaltos: tal como em Praga, o gaélico que era falado por aqui ainda resiste por toda a cidade. As ruas, monumentos e nomes de lojas e algumas casas no comércio têm suas inscrições em inglês e no idioma antigo. Postarei algumas fotos dessas indicações nos próximos dias. A mão esquerda, que é a direção utilizada no trânsito, assim como a posição do motorista no lado direito, vão se tornando familiar. Caminhei um pouco pelo centro da cidade e deu para notar que não é tão grande assim, ainda que muito bonito e conservado. Os edifícios são muito baixos e com tijolo aparente, o que os torna parecidos, externando em algum momento certa monotonia ao olhar. O Temple Bar, um quadrilátero que domina a vida noturna da cidade, de dia decepcionou um pouco. Acho que à noite muda de cara e de frequência, justificando a fama dos pubs que por ali se encontram. Ficam no centro também as melhores livrarias da cidade. Visitei algumas e por aqui a literatura brasileira é uma famosa desconhecida. Sequer há seções para a literatura da América do Sul. Priorizam-se alguns autores, a exemplo de Jorge Luiz Borges. Mas nem tudo está perdido: Os sertões, ainda que não tivesse nenhum exemplar à venda, havia sido feito pedido para chegar em meados de setembro de uma edição inglesa. O gerente de uma das livrarias disse ter um exemplar, que conhece o livro há algum tempo e, como no Brasil, sua leitura foi desencorajada pela aridez da escrita euclidiana. Como compensação, um contraponto: até agora os livros de Paulo Coelho não têm dado as caras.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Projeto Dublim

O anseio pelo acesso à amplidão dos espaços é inerente ao humano. O sentido da descoberta, descortinando horizontes que redimensionam os mundos objetivo e subjetivo, essenciais para a existência, são temas recorrentes na definição do papel atribuído ao indivíduo. Esse isolamento em si mesmo, o retrair-se para os recônditos da consciência em ermos campos que caracteriza a busca de sentido para a vida se converte em paradoxo à medida que esse conhecimento interior decorre de jornadas, peregrinações e viagens buscadas na exterioridade. Nesse sentido, as viagens iniciáticas ou de refundação do pensamento portam características atemporais de homens perdidos em enevolados sonhos, usualmente substituídos pela concretude da realidade. Resultantes do contraste com idéias, lugares, espaços e povos diversos, elas tingem indelevelmente as convicções com o presente, reestruturando os limites e abrangência da subjetividade na definição do futuro.

Remonta à Antiguidade a diretriz que modelou as concepções mais comuns que concernem ao deslocamento como um rito que exterioriza componentes primevo e mítico. Em Gilgamesh, epopéia babilônica cujo herói, rei de Uruk, subjuga monstros e desafia deuses, a paga que lhe é concebida como espólio por esse ato é uma inalcançável peregrinação em busca da eternidade. A Ilíada e a Odisséia, entre tantas possibilidades de leitura, contemplam a passagem da minoridade à maioridade como ritual em que a viagem surge como uma via de acesso. E no universo em que se fundaram as religiões, perdura uma constante: os afastamentos irradiam emanações que as fundamenta pelo sacrifício plasmado no ato de partir. O ano zero do Islamismo faz referência à Hégira de 622 a.C., remetendo à fuga de Maomé de Meca para Medina. Na filosofia religiosa fundada por Siddhartha Gautama, após sua iluminação ele atraiu um grupo de seguidores e instituiu o Budismo, passando a ensinar o darma viajando pelo nordeste do subcontinente indiano. E, finalmente, no Êxodo bíblico esse afastamento é um ponto nodal no qual o povo de Deus é guiado por Jeová numa jornada de quase 40 anos pelo deserto antes de alcançar Canaã, a terra prometida.

Sintomático desse sentido de conversão com ênfase no poder oferecido pelo acesso ao desconhecido pelas viagens foram as peregrinações à Itália a partir do Renascimento. Consequência da visão de mundo romântica, na qual era almejado um vôo escapista no tempo e no espaço, nelas estava implícito o repúdio à sociedade industrial e a busca do refúgio materno da natureza. Escritores do pré-romantismo alemão, como Goethe, registram essa perspectiva como uma experiência cultural e existencial que a filosofia designou como Bildung. Marcel Proust, Sigmund Freud, Neville e Victor Hugo também experimentaram as emanações vertidas pela atmosfera das construções e obras da Antiguidade Clássica daquele país. Distinto no destino procurado, análogo aos fins, Chateabriand, Lamartine, Gerald de Nerval, Flaubert, Melville, Mark Twain e Eça de Queiroz fizeram expedições ao Oriente, chegando à Terra Santa com passagem obrigatória pelo Egito, um rito de passagem afeto aos europeus exercido como um grand tour no fim da juventude e antes do casamento.

Um específico tipo de perambulação tisnada pelo diletantismo ou convicções políticas encontra em Lord Byron, Arthur Rimbaud e George Orwell referências icônicas. Byron morreu em decorrência da escolha em lutar ao lado dos gregos contra a invasão turca. Arthur Rimbaud, depois de exaltar os deslocamentos em sua obra poética, cedo se desencantou com Paris e a poesia, abandonando-as, e entranhou-se no deserto etíope, comercializando camelos, escravos e armas, opção que o levaria à morte. E, George Orwell, menos pragmático e mais idealista, participou da reação à ditadura espanhola de Franco em 1936 ao lado da resistência. Completando essas remissões às viagens como um percurso transformador, chegamos à contemporaneidade que a teve como uma aventura do espírito, buscando um distanciamento da própria realidade. Se no século XVIII Thomas de Quincey elegeu o ópio como recurso terapêutico, Charles Baudelaire o utilizou para racionalizar por vias não convencionais o senso de harmonia estética, encontrando nesse tipo de viagem um meio de exprimir o crescente isolamento do indivíduo, envolto na multidão que multiplicava suas agruras nas metrópolis. O século XX abrigaria ainda outros tipos de evasão e viagens. Centradas na produção on the road, elas se diversificaram com os road movies, os beatniks e hippies, chegando aos universos paralelos nominados de paraísos artificiais, prática que encontrou uma sistematização pedagógica em Walter Benjamim, com o haxixe, atualizada nos anos da contracultura por William Burroughs, com o ácido lisérgico.

Essas digressões contemplam uma viagem que, mesmo sem ser iniciática, propiciará um específico tipo de aprendizado: aquele ensejado pelo desconhecido. Cheguei à Dublim e pretendo postar o que interessante encontrar por aqui até voltar para o Brasil.